6.20.2018

Direito e micropolítica no Futebol

Entendamos primeiramente o futebol como um jogo que contém relações sociais. Óbvio, temos os jogadores, doravante boleiros, e os árbitros da partida. Os boleiros são definidos pela sua função: participar da vitória do seu time, seu objetivo derivado do objetivo do time (uma coletividade) de vencer o jogo. Os árbitros são o controle de cunho judicial: eles aplicam a lei e têm poder de punir. Bom, se o Direito servisse para alguma coisa além de enriquecer advogados com boa capacidade hermenêutica e retórica, bem como membros do sistema judicial que sucedem em decorar uns códigos, nunca haveria qualquer discussão sobre erros de arbitragem no futebol. Entretanto, basta assistir a qualquer programa de comentários sobre “a rodada” pra saber que essa temática ocupa pelo menos metade deles. E aí, a superioridade da Ciência Política sobre o Direito transborda. Vamos aos motivos.

Primeiramente, o Direito tende a não fazer nenhum tipo de assunção funcional sobre os atores, diremos, jurídicos. Acredita que a lei prepondera em uma sociedade e pode até explicar o seu funcionamento. Evidentemente, não há a menor correspondência com a realidade social esse apego à preponderância da lei, bastando a lembrança de que onde há gente, há crime. Vale a advertência de que eu não sou minimamente atualizado nas discussões academicamente travadas sobre o assunto. Só sei que Hans Kelsen – ele deve ter feito outras coisas importantes – propôs uma ampliação com intenções científicas do Direito, ao levar em conta realidades axiológicas e, de alguma forma, sugerir intencionalidades por parte dos atores. Tirando isso, ao menos nas discussões que acabo fazendo com juristas que conheço, não há muita sofisticação além desse entendimento, exceto quando eles lançam largamente mão de conhecimentos de Sociologia e Filosofia. A Ciência Política, por sua vez, basicamente impõe obstáculos cognitivos intransponíveis a um jurista. E aí, a incapacidade em atribuir funcionalidades aos atores sociais é o que define, nesse contexto, e, principalmente no que diz respeito ao futebol, o Direito. Dito isso, entremos de vez na micropolítica.

Como exposto no início, os atores num jogo de futebol se definem pela sua função. Eles servem para ganhar o jogo. Os árbitros servem para aplicar as regras por meio das suas decisões em reação às decisões que os boleiros tomam. Isso é, a priori, uma modelagem, uma simplificação com intenções de entendimento. A realidade é outra história, à qual chegaremos em breve. Sendo assim, o juiz apita e começa o jogo. Há uma definição clara de que os jogadores farão o que for necessário para ganhar o jogo. Os árbitros terão a função de fazer que eles respeitem as regras. Ganhar o jogo para o árbitro é impedir todas as burlas. Isso parece justo. Mas não há trabalho mais difícil no esporte do que o dos árbitros de futebol. Eles, três são eles, têm que controlar, numa quadra cuja superfície é de cerca de seis mil e trezentos metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol (risos), vinte dois boleiros – e agora a primeira concessão à realidade – a maioria deles exemplos claríssimos do que se chamaria de facínora moral. Durante um jogo, boleiros agridem uns aos outros, ofendem-se, fingem que sofreram agressões e ofensas o tempo inteiro, em suma estão os noventa minutos, mais os acréscimos, a fim de enganar a arbitragem. E não precisa ser numa Copa do Mundo. Além do que, experimente jogar uma pelada sem árbitro. A coisa é atroz. Isso acontece até entre crianças. Pelo menos entre os homens. Não posso dizer muita coisa do futebol feminino. Com o perdão do moralismo anterior, voltemos à política, à micropolítica.

O contexto social em que se dá o jogo não permite que o sistema judicial, cuja função, lembremos é o de impedir que algum dos times ganhe por meio de burlas às regras, exerça tal função. Não há enforcement possível no futebol. Usemos outro esporte, o tênis. Num jogo de simples, há dois boleiros (não confundir com a garotada que apanha a bola) e sete árbitros (em alguns torneios pode chegar a doze esse número). A quadra de simples tem pouco mais de 203 m² de área. E os jogadores de tênis são cavalheiros. A única dificuldade no tênis maior do que a do futebol para o sistema judicial talvez seja a velocidade da bola. Então, a conclusão moralista óbvia (e o moralismo figura como elemento de causalidade em qualquer tentativa de explicação do funcionamento da sociedade por um especialista do Direito) é a de que a arbitragem é um problema no futebol porque os boleiros não são éticos. Os facínoras do futebol atrapalham o jogo. Enquanto os cavalheiros do tênis contribuem para a sua beleza. Entretanto, voltando à micropolítica, boleiros se definem funcionalmente da mesma forma. A sua única função é ganhar o jogo. Boleiros, tenistas ou futebolistas, são a mesma coisa. Mas aí, temos um problema empírico. É fato raríssimo num jogo de futebol algum jogador ser ético e abrir mão de uma injustiça que favoreça seu time. Raríssimo! Conversamente, isso sempre acontece no tênis, às vezes até em pontos importantíssimos. Ou seja, essa empiria refuta qualquer hipótese de que os jogadores de tênis e de futebol podem ser definidos, a priori, como a mesma coisa. A priori os boleiros do futebol são facínoras. Os de tênis são cavalheiros. O problema é que nada poderia ser mais errado.

 Atores sociais aprendem enquanto jogam. Não precisamos dizer que houve várias rodadas desde que o futebol surgiu. Não sei bem quanto ao tênis, mas o sistema judicial do futebol é fundamentalmente o mesmo desde sempre. As mesmas regras e os mesmos árbitros. Os boleiros logo perceberam que, dadas as dificuldades do sistema judicial do jogo implementar as regras numa quadra colossal e sobre vinte e dois jogadores, é tremendamente vantajoso tentar burlar as regras. E esse aprendizado veio às custas do amargor das derrotas e do delicioso sabor das vitórias, certamente. Ou seja, há uma história institucional (não propriamente no sentido mais estrito da disciplina) que formatou o comportamento básico dos boleiros nos dois jogos. E o ululante é que esse comportamento se relaciona claramente às condições de controle sobre as ações dos jogadores que pretendem vencer as partidas. As conclusões moralistas, com clamores por mais respeito às regras, por comportamentos mais éticos por parte dos jogadores, além de serem uma pieguice descomunal são mera disfunção erétil.

O leitor certamente notou que foi completamente excluído do nosso modelo a possibilidade do sistema judicial antiético ou parcial, o que é um irrealismo por definição, lembremos. Na Copa da Rússia, apareceu a arbitragem por vídeo. Particularmente, acho a medida um purgante de chata. Atrapalha o andamento do jogo e até agora, não serviu pra nada. As discussões sobre arbitragem ainda são muito frequentes. Mas de qualquer forma, é uma medida que aumenta o poder dos árbitros, ou, sendo mais claro, intenta aumentar os controles sobre o comportamento dos jogadores. Sendo assim, se achamos que o futebol pode apresentar resultados injustos por erros da arbitragem, em vez de clamar por mais ética e fair play, devemos clamar por mais controles.

5.02.2018

Será possível uma micropolítica?

É pertinente dizer que a Ciência Política tem o seu germe mais robusto com o nascimento do Estado nacional, entidade que começou a se formar na Europa quando a dinastia de Avis expulsou os últimos árabes que dominavam o oeste da península ibérica no século XIII e fundou Portugal. A novidade, que se consolida na Europa com a Reconquista no resto da Ibéria (Espanha) e com a finalização das Guerras dos Cem Anos (França e Inglaterra) e dos 30 anos (Países Baixos), foi retumbante na forma de pensar as relações de poder, que desde sempre permearam a vivência coletiva humana. Com o rescaldo da descentralização em arremedos de estados nacionais, quase tribais numa acepção moderna, fundados em algum tipo de moral política muito associada à religião, as coletividades passariam agora a se reunir em torno de um ente que organizaria a economia, a burocracia pública e, fundamentalmente, a guerra, em termos raramente vistos antes. O pensamento político moderno, por sua vez, preocupa-se no início com a questão da legitimidade dessa forma de poder, mas prioritariamente com as regras sobre as quais se estabeleceriam os princípios do funcionamento dessa coletividade. Logo, o pensamento político do começo da modernidade é uma ontologia do Estado Nacional. Primeiro o Jusnaturalismo, que preocupado em dar legitimidade a essa nova formação, justifica seu poder, entendendo que ele se fundamenta na mudança da vivência coletiva sob um estado de natureza para um estado civil. Seja na versão absolutista de Hobbes, seja na versão liberal de Locke, o jusnaturalismo é uma filosofia de legitimação do Estado: da sua preponderância na primeira versão e dos seus limites, na segunda. Filosofia alternativa é proposta por Maquiavel, que, superando as questões de legitimidade, propõe as bases filosóficas do positivismo/realismo análogas ao que posteriormente Descartes chamaria de método científico. De qualquer forma, o pensamento maquiaveliano tem uma proposta de legitimação, apesar de essa ser a da tomada do Estado e não a do próprio Estado, coisa que ele considera, muito como recurso heurístico, um dado da realidade e de forma nenhuma uma elaboração social. Em suma, é em torno do Estado Nacional que se organiza o pensamento político moderno. Andando na História, a Ciência Política, como ciência no século XX, também centra no Estado Nacional, esse ente agora com feições um tanto diversas das do início, a produção do seu conhecimento. Mais contemporaneamente ainda, é sobre as instituições públicas, principalmente as das formas poliárquicas de organização da sociedade que a Ciência Política fundamentalmente versa. É certo que a política, embora tivesse seu locus clássico de manifestação dentro do Estado, perpassava toda a sociedade, na medida em que os grupos dentro dela seriam os atores a disputar o jogo. Assim, mais do que o estudo do próprio Estado, a Ciência Política definiu como o seu objeto efetivo, as disputas pelo controle e manutenção das instituições, pois seria por meio do controle dessas que os atores do jogo político guiariam os resultados para a satisfação dos seus interesses. Ou numa terminologia mais verossímil, seria por meio do controle das instituições governamentais, que os grupos fariam o processo de políticas públicas resultar no aumento das próprias benesses. E por tratar de algo tão amplo, chamemos o final de todo esse desenvolvimento de macropolítica. Em suma, isso sempre foi tão forte no pensamento da humanidade que não é trivial entender a palavra política e as suas derivações dissociadas do Estado e do jogo da sua conquista. E para problematizar esse reducionismo, recorramos novamente à Grécia clássica, lugar e tempo onde se originou a política, ou para evitarmos confusões, a esfera pública. Não há de se duvidar que, como já vimos antes, falar em política na Grécia Clássica era falar de negócios públicos. Mas vimos também, que, por formação intelecto-cultural, o homem grego teria certamente dificuldades de se entender como tendo negócios privados tão dissociados dos públicos, como o homem pós-renascentista. Mas fora do demos, a sociedade grega não era nem um pouco democrática ou liberal. As mulheres geralmente eram confinadas à casa e ao exercício do papel materno e ainda havia escravidão. Nesse sentido, um jogo político fora do demos estava necessariamente determinado pela forte lógica hierárquica da oikos (casa) que fazia o fluxo do poder seguir do patriarca para baixo. O poder é uma relação social entre, pelo menos, duas partes, na qual uma delas só se comporta (pensa, toma posição, age) por causa da outra. É oportuno dizer que há poder em qualquer tipo de relação entre seres humanos. Isso não é dizer, todavia, que a política, entendida como o jogo que visa a resultar na dominação de uma das partes pela outra é o aspecto fundante de todas as relações. Há uma miríade de outros aspectos e se a política fosse o único fundamento possível, a vida em sociedade certamente seria insuportável. Se serve como ilustração, vamos pensar em dois amigos que, num belo dia, saem para bater papo. Um deles é musculoso, o outro franzino. Eles começam uma discussão sobre algum assunto e se veem com opiniões diametralmente opostas. Se o mais forte quisesse, poderia impor a sua opinião pela força, ameaçando o outro de uma agressão, por exemplo. Um dos motivos por que ele não o fará (normalmente) é justo o fato de que os laços fraternos entre os dois são mais importantes para fundamentar a relação do que o desequilíbrio (assimetria) das forças físicas. Genericamente, o instrumento que propicia esse desequilíbrio podem ser vários, mas o ponto fundamental é que a sociedade e a civilização se desenvolvem no intuito de criar elementos que dirimam a importância da política nas relações mais pessoais, justo porque o princípio de funcionamento da política, novamente entendida como o jogo de que se falou acima, é a violência. Daí o direito, a ética, a cultura, a fraternidade, o amor, etc. Entretanto, dizer que o poder não é o fundamento das relações humanas, não quer dizer que ele não seja importante ou até mesmo definitivo em grande parte dessas relações. Um problema no nível epistemológico da Ciência Política para entender ou mesmo reconhecer isso é que essa ciência, e o motivo disso é inicialmente pertinente, modelou a sua unidade de análise como o grupo político, ou o ator político, ou até o homus politico. Esse é um maximizador de poder, análogo ao maximizador de lucros da teoria econômica, evidentemente numa versão bem rasteira. Não se poderia então, por meio dessas assunções entender qualquer relação em que os seus participantes suprimissem o propósito político em favor de algum outro. Ainda sobre isso, o mais problemático é que a maior parte dos Cientistas Políticos não entende que a escolha pelo individualismo é o resultado de um processo social não tão dificilmente inteligível e não uma realidade dada, nem sequer um imperativo categórico. Talvez esse mau entendimento, derivado certamente de má formação filosófica, seja fundamental para que se produza Ciência Política da macropolítica tão ruim no Brasil, resguardadas as brilhantes e necessárias exceções. E isso resulta em coisa ainda pior. Há muito tempo, vi um Cientista Político, atualmente professor de um renomado departamento, fazendo um comentário sobre futebol. Ele disse que era irracional (e cientistas políticos ruins, usam argumento de autoridade para falar de racionalidade) que as torcidas de Náutico e Santa Cruz torcessem (sic) contra o Sport, porque o Sport bem posicionado era um incentivo para que Náutico e Santa Cruz tentassem se posicionar bem da mesma forma. O conteúdo da sentença é tão ridículo que não precisa ser discutido. Mas usar escolha racional para entender decisões de torcedores de futebol é uma das coisas mais estapafúrdias que se pode fazer. Fundamentalmente porque, como dito no artigo anterior, não há racionalidade (no estrito sentido utilizado pela CP) nenhuma em torcer pra um time de futebol. Sendo assim, é completamente artificial e por isso limitada no entendimento mesmo da política, a versão contemporânea e de mainstream da Ciência Política, tanto no nível metodológico, quanto no temático. E só será um bom cientista político aquele que reconhecer as insuficiências da própria área e entender os propósitos dela, que são inescapavelmente parcimoniosos. De qualquer forma, se o arcabouço teórico da Ciência Política aparentemente não oferece muitas alternativas para um entendimento da micropolítica (o que não é necessariamente verdadeiro), não é difícil encontrar tais alternativas na Filosofia Política. O jusnaturalismo nas suas duas versões mais importantes, hobbesiana e lockeana, parte do indivíduo, de um pretenso indivíduo em estado natural. Ou seja, antes da tentativa de legitimação das instituições da vida social, há indivíduos sem o peso ou a ajuda delas, que travam relações claramente políticas. E mais, o pós-modernismo (e assumo aqui a minha implicância com essa visão de mundo e o desconhecimento de muitos detalhes do que ela propõe, mas tenho a impressão de que posso falar dela, porque entendo muito bem a visão de mundo que ela intenciona superar: o modernismo) conseguiu mapear, mesmo sem intenção, os loci onde a micropolítica se dá com mais força: questões identitárias clássicas, de gênero, corporativistas, familiares, discursivas, etc. E aí, voltamos ao arcabouço teórico-metodológico da CP, despido devidamente das suas hipertrofias sobre o papel das instituições externas e formais e do seu paradigma fundamental, a saber: o racionalismo superficial e pedante, que se acha capaz de explicar tudo, inclusive o futebol. Substituem-se todas essas inutilidades pela proposta weberiana, que é um individualismo metodológico sofisticado, preenchido porém pela estrutura axiológica, não a de uma pretensa coletividade, mas a que opera sobre o próprio indivíduo. E aí, um adendo é necessário. Maquiavel fez seu individualismo metodológico enquanto contava umas anedotas n’O príncipe, e focando um tipo específico de ator social, o homem que tenta tomar (ou manter) o Estado, conseguiu claramente apresentar a estrutura axiológica que opera sobre esse tipo de indivíduo, a saber: a imoralidade no que concerne aos meios da ação. Assim, rejeitando a confusão cognitiva promovida pelo pós-modernismo para entender a política, como da mesma forma e com mais veemência o superficialismo racional dos Cientistas Políticos mal formados em Filosofia do Conhecimento, seria interessante que levássemos em conta a proposta weberiana como alternativa para o entendimento das relações mais imediatas entre seres humanos. E talvez todas as outras.

4.09.2018

O futebol, a política e a fúria

Depois de dias de um idiota cheio de som e fúria contando histórias sem sentido algum em uma rede social, chegou a hora de falar sério. Primeiro de tudo, falemos de futebol. Esse esporte, surgido do Rugby (na verdade é uma dissensão do Rugby nas universidades inglesas no final do século XIX).

É, como todo mundo sabe, um jogo. Mas o mais interessante pra nós é que ele desperta paixões ensandecidas. Eu já sabia disso faz muito tempo. Já dei uma voadora nas pernas de um grande amigo meu porque ele me driblou humilhantemente. Ele passou vários dias engessado, mas logo que a dor passou, voltamos a ser amigos. Mas ontem na final contra o Central, vi a insânia tomar conta de todos, menos de mim, claro, desde o ônibus a caminho do estádio. Fiz a pergunta silenciosa, que talvez fundamente a minha cognição: pra que? Pra que gente perde tempo e dinheiro para assistir a um jogo no estádio, ou mesmo na TV, se a probabilidade de exercer qualquer influência é, na realidade, nula?

Só fiz essa pergunta, porque eu estava sendo racional. Era o meu paradigma teórico. E ele só me permitia esse tipo de pergunta. Aí eu fiz uma revolução científica e mudei a pergunta. Na verdade apenas uma palavra. Apenas a preposição. Aí ficou: Por quê? Por que aquele espetáculo grotesco de gente chorando, passando mal, desmaiando, etc? Tive que voltar ao racionalismo (como se em algum momento eu conseguisse sair dele, né?) da Biologia pra elaborar uma hipótese, cuja principal palavra do enunciado era testosterona. Machos primatas são violentos e atacam grupos de outros machos que basicamente habitam outra parte para apenas praticar violências hiperbólicas uns contra os outros e isso parece ter muito sentido pra eles.

Lembrem bem: desde que o primeiro homo sapiens guardou o primeiro pedaço de madeira para agredir o primeiro que aparecesse no futuro, vivemos em guerra. A segunda metade do último século mostrou uma drástica redução da taxa de violência entre os homo sapiens (vou deixar as mulheres sapiens em paz). E aí a gente tem quase acreditado, que, por inércia do tempo a paz vai reinar. Temos acreditado que, até sem fazer nada, a paz vai reinar entre nós, embora admitamos que possamos matar alguns indesejados pelo caminho. De qualquer forma, uma das coisas que contribuiu pra essa pax contemporânea (é uma hipótese) foi a popularização de uma lúdica atividade, que se chama ludopédio ou futebol. Lembre-se de certos termos: artilheiro, ataque, defesa, retaguarda, flanco, arqueiro, tiro de meta, ala (arcaico), estratégia, tática. Vocês conseguem associar algum desses termos ao linguajar militar (o que faz guerra e não o que quer intervir no jogo político numa democracia)? Ou seja, o futebol não passa da simulação de uma batalha. Bem menos violenta, apesar de a partida entre Portugal e Holanda na Copa de 2006 ser um questionamento razoável a isso. E aí temos a política. A nossa maldita e furiosa política. É um jogo também. A diferença é que nesse a única pergunta possível que uma pessoa razoável pode fazer é: pra que? Há outra também, mas mais específica. É o fato de que, diferentemente do estádio onde os torcedores são incapazes de influenciar o resultado do jogo, os torcedores na política são muito capazes, aliás eles não são apenas isso, eles fazem as regras e podem inclusive mudá-las com o jogo acontecendo. Isso fundamentalmente porque eles controlam as peças.

O nosso problema tem derivado basicamente de uma confusão cognitiva simples. Os políticos e os partidos não são jogadores nesse jogo. Eles são as peças. Os políticos e os partidos vão para onde os eleitores dizem para eles irem. Quando percebermos isso, nenhuma político vai parecer líder de nada, nem o DEUS Lula. O peão (o torneiro mecânico é até uma metáfora melhor) não joga. Quem joga é o enxadrista. É bem a hora de virarmos os enxadristas, porque senão, a vida será sempre uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota, e que não fará sentido algum, como diria Guilherme Sheakspeare.