4.09.2018

O futebol, a política e a fúria

Depois de dias de um idiota cheio de som e fúria contando histórias sem sentido algum em uma rede social, chegou a hora de falar sério. Primeiro de tudo, falemos de futebol. Esse esporte, surgido do Rugby (na verdade é uma dissensão do Rugby nas universidades inglesas no final do século XIX).

É, como todo mundo sabe, um jogo. Mas o mais interessante pra nós é que ele desperta paixões ensandecidas. Eu já sabia disso faz muito tempo. Já dei uma voadora nas pernas de um grande amigo meu porque ele me driblou humilhantemente. Ele passou vários dias engessado, mas logo que a dor passou, voltamos a ser amigos. Mas ontem na final contra o Central, vi a insânia tomar conta de todos, menos de mim, claro, desde o ônibus a caminho do estádio. Fiz a pergunta silenciosa, que talvez fundamente a minha cognição: pra que? Pra que gente perde tempo e dinheiro para assistir a um jogo no estádio, ou mesmo na TV, se a probabilidade de exercer qualquer influência é, na realidade, nula?

Só fiz essa pergunta, porque eu estava sendo racional. Era o meu paradigma teórico. E ele só me permitia esse tipo de pergunta. Aí eu fiz uma revolução científica e mudei a pergunta. Na verdade apenas uma palavra. Apenas a preposição. Aí ficou: Por quê? Por que aquele espetáculo grotesco de gente chorando, passando mal, desmaiando, etc? Tive que voltar ao racionalismo (como se em algum momento eu conseguisse sair dele, né?) da Biologia pra elaborar uma hipótese, cuja principal palavra do enunciado era testosterona. Machos primatas são violentos e atacam grupos de outros machos que basicamente habitam outra parte para apenas praticar violências hiperbólicas uns contra os outros e isso parece ter muito sentido pra eles.

Lembrem bem: desde que o primeiro homo sapiens guardou o primeiro pedaço de madeira para agredir o primeiro que aparecesse no futuro, vivemos em guerra. A segunda metade do último século mostrou uma drástica redução da taxa de violência entre os homo sapiens (vou deixar as mulheres sapiens em paz). E aí a gente tem quase acreditado, que, por inércia do tempo a paz vai reinar. Temos acreditado que, até sem fazer nada, a paz vai reinar entre nós, embora admitamos que possamos matar alguns indesejados pelo caminho. De qualquer forma, uma das coisas que contribuiu pra essa pax contemporânea (é uma hipótese) foi a popularização de uma lúdica atividade, que se chama ludopédio ou futebol. Lembre-se de certos termos: artilheiro, ataque, defesa, retaguarda, flanco, arqueiro, tiro de meta, ala (arcaico), estratégia, tática. Vocês conseguem associar algum desses termos ao linguajar militar (o que faz guerra e não o que quer intervir no jogo político numa democracia)? Ou seja, o futebol não passa da simulação de uma batalha. Bem menos violenta, apesar de a partida entre Portugal e Holanda na Copa de 2006 ser um questionamento razoável a isso. E aí temos a política. A nossa maldita e furiosa política. É um jogo também. A diferença é que nesse a única pergunta possível que uma pessoa razoável pode fazer é: pra que? Há outra também, mas mais específica. É o fato de que, diferentemente do estádio onde os torcedores são incapazes de influenciar o resultado do jogo, os torcedores na política são muito capazes, aliás eles não são apenas isso, eles fazem as regras e podem inclusive mudá-las com o jogo acontecendo. Isso fundamentalmente porque eles controlam as peças.

O nosso problema tem derivado basicamente de uma confusão cognitiva simples. Os políticos e os partidos não são jogadores nesse jogo. Eles são as peças. Os políticos e os partidos vão para onde os eleitores dizem para eles irem. Quando percebermos isso, nenhuma político vai parecer líder de nada, nem o DEUS Lula. O peão (o torneiro mecânico é até uma metáfora melhor) não joga. Quem joga é o enxadrista. É bem a hora de virarmos os enxadristas, porque senão, a vida será sempre uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota, e que não fará sentido algum, como diria Guilherme Sheakspeare.